A revista Unespciência, número 5/48, traz reportagem de Maria Fernanda Ziegler a respeito da liderança feminina no processo histórico do Cristianismo e das igrejas cristãs. Comportando informações, provocando a reação dos teólogos, o material deve sim, constar, das recomendações bibliográficas dos institutos, seminários e faculdades teológicas. A repórter apresenta ao público o trabalho de Eliezer Serra Braga, doutorando em História, na UNESP. O relevante da matéria é a garimpagem que a autora fez em autores, intérpretes catando citações e referências, em obras, no geral, distantes e de difícil acesso do estudante comum de teologia e história.
Alguns pontos altos da reportagem ficam diante do de se reconhecer que o Cristianismo nunca foi um movimento único, uníssino e que o tão propalado discurso da "igreja uma" jamais existiu. Os historiadores honestos sabem disso e nunca será tarde lembrar. As pesquisas mencionadas por Maria Fernanda somam-se a este esforço e por isso devem ser lidas e divulgadas. O Cristianismo sempre foi um conglomerado de "seitas" e "heresias" ou escolas de pensamento como gostamos de afirmar.
Em determinada altura a matéria referencia o óbvio, como se fosse inédito. A inexistência de liderança feminina desde os primórdios dos Atos dos Apóstolos, por exemplo. O Cristianismo nasceu sem a necessidade e importância da liderança feminina. Nem poderia ser diferente. Nascia o novo rebento do judaísmo calcado em valores judaicos e greco-romanos. Embora o tema causasse certo incômodo nos fundadores da nova religião, como se deixa entender a confusa teoria que Paulo de Tarso tenta elaborar sobre a mulher (Gálatas 3:28 em geral diferindo do que ele diz em Efésios 5 e 1 Coríntios 11). As autoras constatam e nisso não há novidade que o conceito de igualdade é contemporâneo, por isso, quem sabe, faltou cuidado em alcunhar o período histórico do Cristianismo, antes da contemporaneidade de machista. Evidentemente, os estudiosos da Bíblia sabem que, por volta do ano 33 d.C. haviam sim, diaconisas nas igrejas locais e isto são evidentes pelas passagens do livro de Atos e a Epístola aos Romanos.
Quais problemas teológicos-históricos a reportagem apresenta e torna seus autores e citados em dívida com os leitores da revista? Primeiramente, o conceito "Igreja" singular. Em geral um vício que mesmo acadêmicos insistem trilhar, porque, desconhecedores de questões de teologia, forçam uma visão de que, o Cristianismo e Igreja Católica Romana se confundem. Na verdade, a Igreja Católica é uma instituição que representa um desvio de rota, um desenvolvimento posterior no Cristianismo. Se podemos utilizar o termo "Igreja", diríamos que a Igreja Cristã não nasceu católica, mas esse ramo se tornou hegemônico, dada a aliança com o poder secular. O catolicismo triunfou depois do ano 325 d.C. Para o historiador Walker, o cristianismo nos primórdios era um conjunto de comunidades locais, autônomas e independentes, unidas apenas pela mesma fé. A centralidade, autoridade única, nunca foi unânime nas comunidades cristãs, razão porque as dissidentes foram perseguidas cruelmente, logo que a comunidade de Roma se desviou da ortodoxia e associou-se ao Império secular
Os escritos do Novo Testamento são fontes seguras da história do pensamento e prática dos cristãos. Enquanto menciona a existência de diaconisas, não registra nenhuma mulher exercendo o bispado, até porque a própria função de bispo, no período apostólico nada tem a ver com as funções atribuídas aos religiosos que constatamos atualmente. As lutas e as idéias de Agostinho de Hipona não são, registro fiel do período de fundação do cristianismo e nem correspondem ao geral das igrejas cristãs que existiam na fase. Portanto, as formulações do Professor Paulo Nogueira são pertinentes. O papel da mulher nos primeiros cem anos do Cristianismo é o que Paulo determina em 1 Coríntios 11 e 14 e 1 Timóteo 2. Nada além.
Outra questão que soa estranho é o esforço que a matéria tem em constituir algumas mulheres do relato bíblico em líderes cristãs de autoridade em matéria de fé, caso mencionado de Maria Madalena. Para sustentar essa posição as autoras recorrem a outra formulação teológica equivocada, a de que, a Pedro foi confiada a organização do cristianismo. Basta-nos boa leitura dos Atos 10:38-46, Gálatas 1 e 2; Efésios 3 para entendermos que a liderança fundacional do Cristianismo coube a Paulo e não a Pedro. O último representou um esforço de continuar o judaísmo dentro do Cristianismo. Portanto, o desenvolvimento organizacional, téorico da seita dos cristãos se constituiu nos marcos do "machismo".
Mas a matéria faz uma afirmação ousada, a de que o leitor da Biblia precisa de genialidade, de entender o idioma grego, para não cair em "deslizes machistas" dos tradutores. Um dado que permanece sem qualquer prova ou sinal de onde, num exemplo citado para ilustrar a novidade, isso tenha ocorrido.
http://www.unesp.br/aci_ses/revista_unespciencia/acervo/48/mulheres-cristianismo
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